quinta-feira, 21 de outubro de 2010

PESSOAL...E TRANSMISSÍVEL


Às vezes acontece-nos o privilégio de receber ao vivo e a cores convidados fascinantes, com a rara capacidade de abrir intervalos no meio das suas agendas sobrecarregadas, para conversar com estudantes do Secundário e revelar pedacinhos do seu muito saber e invejável experiência.
Na passada 2ª feira, visitou-nos Carlos Vaz Marques, autor do "Pessoal... e Transmissível"- programa da TSF que todos os apreciadores de uma boa entrevista conhecem e recomendam - colaborador do Jornal de Letras, da revista LER, responsável por uma colecção de títulos de literatura de viagens, e tradutor de alguns, moderador do imperdível "Governo Sombra", programa de sátira política entre cujos ministros se conta o fedorento Araújo Pereira, anfitrião do "Café com Letras", actividade regular das Bibliotecas Municipais de Oeiras, vencedor do prémio Ilídio Pinho, nada mais nada menos que o maior prémio de jornalismo atribuído em Portugal... Ufa! Tudo isto, e muito mais, num jovem que ainda no outro dia era aluno do Liceu Camões, onde teve como professora de Português a (nossa) Elisa Costa Pinto, que, evidentemente, se encarregou de apresentar orgulhosamente (babadamente, confessou ela) o jornalista às três turmas reunidas na Biblioteca para o conhecer.
Carlos Vaz Marques falou sobretudo das entrevistas de rádio. (Espantou-nos desde logo saber que é o único responsável pela sua preparação, quando se imaginaria, perante a profundidade das entrevistas e a lista de entrevistados, tão variada e extensa, uma equipa de retaguarda a fazer o exaustivo trabalho de pesquisa). Disse gostar particularmente de entrevistar pessoas que "não dizem o que se está à espera" - encontrando-se os escritores, naturalmente, entre os mais desafiantes - e também de trazer ao conhecimento do grande público pessoas que não aparecem frequentemente nos media, "aves raras", no melhor sentido da expressão.

Muitos de nós nunca tinhamos pensado na diferença entre as entrevistas "de combate"- em que, no dizer do nosso convidado, o jornalista substitui todos os que gostariam de poder estar ali, a colocar perguntas muitas vezes incómodas, a pessoas com responsabilidades governativas, por exemplo - e as outras, em que o entrevistador não pode exigir, antes tentando seduzir, entender, empatizar.
E Carlos Vaz Marques, nisso, é mestre. A nós encantou-nos!

P.S. - Graças à santa internet, podemos ouvir a qualquer hora os programas de rádio referidos. Basta ir ao sítio da TSF.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CASA DE AFECTOS


Leio (com gosto) os últimos textos aqui chegados, penso como provam vivamente que os livros e as suas casas são laços. Não gaiolas onde eremitas macambúzios se encerram, mas formas, espaços, de abrir as mentes e os corações aos outros, ao Outro.

Vem isto a propósito de uma sessão muito especial que na semana passada aconteceu. Como aconteceu?

Começou pela discussão, numa aula de Formação Cívica, sobre o drama vivido pelos mineiros chilenos, as diferentes emoções que experimentariam ao longo de tantas semanas de enclausuramento, a forma inteligente e solidária como souberam lutar pela sobrevivência, como cada um reagiria se se encontrasse numa situação mesmo que muito remotamente semelhante.

Depois, mas ainda antes de se conhecer o feliz desfecho desta história, o encontro teve lugar na Biblioteca, onde, partindo da leitura de um artigo de jornal, procurámos entender mais completamente as implicações emocionais e físicas de uma tão longa permanência no interior da terra.

Alguns factos tornaram-se-nos muito evidentes: a permanente ligação ao exterior, a presença esperançosa, perseverante, das famílias, mas também os olhos do mundo postos na mina de San Jose desempenharam um papel determinante na forma como tudo aconteceu. Por outro lado, percebemos que os próximos tempos vão ser ainda de duro combate por parte dos 33 mineiros, não irá ser sem sobressaltos a readaptação à vida "normal".

Tudo isto, e ainda mais a urgência de fazer alguma coisa, alguma coisa que tornasse material a nossa solidariedade, levou à escrita das cartas para o Chile, repletas de admiração e abraços, dos alunos do 8ºE.

BIBLIOTECAS CHEIAS DE FANTASMAS

«Deveríamos falar igualmente dos livros que lemos e que falhámos, desses com os quais nunca nos conseguiremos entender, porque, embora sejam geniais, não nos correspondem [1], desses outros livros que precisam de ser relidos para que os assimilemos [2], dos que temos vontade de reler por puro prazer [3], dos que certamente nunca mais voltaremos a abrir mas de que não nos queremos separar [4], dos autores que prometemos reler integralmente um dia ou descobrir [5], etc.»
Jacques Bonnet, Bibliotecas Cheias de Fantasmas

Encontro, na minha biblioteca, um exemplo de cada um dos casos referidos.

1. Ulisses, James Joyce

2. Pedro Páramo, Juan Rulfo

3. Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust

4. Os Maias, Eça de Queirós

5. Vitorino Nemésio

terça-feira, 19 de outubro de 2010

PARA O EDUARDO PRADO COELHO

Ele foi o Mestre de uma geração inteira de alunos de Literatura. Para uns sedutor, para outros incomodamente erudito e hermético, para mim, o Mestre. Fico feliz por ter tido a coragem e o tempo de lho dizer num jantar informal, num pequeno restaurante em frente à Casa Fernando Pessoa, uns meses antes da sua morte.
No passado domingo, o CCB dedicou-lhe um dia. Foi uma homenagem muito afectiva - ele era um distribuidor de afectos - e também muito leve, apesar da sua ausência. Como ele teria gostado. A sala estava cheia de amigos que convocaram o EPC com a leitura de textos seus. Ternos, divertidos, sérios, um pouco de frivolidade em alguns. Ousadia noutros. E sempre a palavra literária, plástica, inesperada. Ele era assim.
Convido à leitura de uma crónica, bem adequada a este espaço.

A BIBLIOTECA
Há-de haver um último livro. Lembro-me do meu pai, já perto do fim, sentado na cama: lia Santo Agostinho. Converteu-se? Penso que não. Mas procurava outra coisa. Demasiado tarde, é claro – como sempre. Chegamos sempre no final da festa.
“Os livros são um problema” – quantas vezes ouvimos esta frase? Ela tornou-se tão banal que, de certo modo, foi amaciando o verdadeiro problema que eles, os livros que se acumulam, são. Toda a minha vida senti um alvoroço quando numa livraria encontrei um livro que não esperava. Visitei cidades onde passava horas nas livrarias, olhando as estantes, e arrastando comigo aquela culpa de não estar a ver o mar, de não sentir no corpo o bater das ondas, de não adormecer no chão das florestas. Quantas vezes não ouvi a campainha da porta tocar e sentia o estremecimento que me anunciava que novos livros iam chegar? Ainda hoje. Ainda hoje um pacote de livros constitui uma festa. A promessa de uma festa que demoradamente se despede de si mesma.
Até que, rodeado de livros por todos os lados, decidi que iria oferecer uma parte a uma biblioteca. As bibliotecas públicas são hoje um lugar de animação cultural – quer isto dizer um lugar de vida. Ainda noutro dia pude ler a descrição de um grupo de crianças que passaram a noite nas instalações da biblioteca de Oeiras: letras, jogos, palavras, sonhos, anjos de papel. A biblioteca de Oeiras é hoje dirigida por um amigo: Filipe Leal. Oeiras, Carnaxide, Algés. Achei que lhes podia propor que ficassem com alguns dos meus livros. Partiram já cerca de 3000. Talvez mais tarde partam mais.
Mas é tão difícil escolher os livros que nos vão deixar…
Olhando para cada um, sinto o momento em que o comprei, a livraria em que o vi, o café onde o folheei, a praia onde o li, a cama em que ele, já no chão, vigiou o meu sono habitado de palavras mágicas. Outros, tantos outros, nem os cheguei a ler. Foram hóspedes de passagem, estiveram anos em minha casa, acompanharam-me de Paris para Lisboa, e agora separamo-nos porque não satisfizeram o meu critério decisivo: “Será um livro fundamental? Será que ainda tenho tempo para o ler?” Vejo o livro envelhecido e sinto a tristeza que nele se acumula por essa espécie de injustiça de eu não o considerar essencial. Parece que ouço um queixume. Há uma caixa de cartão para onde ele deve ir, condenado pelo meu juízo impiedoso, mas talvez secretamente feliz pelo facto de poder vir a ser útil ao reformado que procura um momento de distracção, ao investigador que já não esperava pela informação que ele contém, à criança que nele aprende o território das invenções sem fim. Vou esquecê-lo. Vou esquecer em mim a alegria que me deu.
Há-se haver um livro – um último rosto, um último objecto, um último corpo. Há-de haver um último livro – até que a porta da biblioteca se feche definitivamente.

Eduardo Prado Coelho, “O Fio do Horizonte”, in Público, 9 de Abril de 2004

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ANIVERSÁRIO DE ÁLVARO DE CAMPOS


Hoje é dia aniversário de Álvaro de Campos, o heterónimo que Fernando Pessoa fez nascer em Tavira no dia 15 de Outubro de 1890. (Por isso se realiza, nessa cidade, o I Encontro Internacional Álvaro de Campos).

A propósito de Campos poderíamos dizer 1001 coisas diferentes.
Optamos por deixar aqui 2 convites: uma visita à página da Casa Fernando Pessoa (cujo link está nesta nossa página) e uma leitura do poema "Aniversário". Claro!

Para além disso, transcrevemos alguns versos da "Ode Marítima", em homenagem ao mar de Tavira, onde Campos nasceu, ao mar de Lisboa, que Campos amou, ao mar de Glasgow, onde Campos estudou engenharia naval.

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de verão,
Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
(............................................................................)

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

LUÍSA E TEODORA

O regresso do 7ºB e do 7ºF não se fez esperar, para receber duas conhecidíssimas visitantes: a escritora Luísa Fortes da Cunha e a sua Teodora, protagonista dos doze títulos da série já publicados, e dos mais que se seguirão.

Num encontro proporcionado pela Biblioteca Municipal de Carnaxide, a autora conversou, contou bocadinhos das suas histórias, revelou episódios que serviram de matéria a algumas das aventuras da pequena Teodora. Falou da sua infância e, como não podia deixar de ser, porque ninguém escreve sem ter lido muito, e quem gosta de escrever é, em geral, um grande leitor, falou também de leituras marcantes, em diversos momentos da vida.
A provar que o pensamento e a imaginação desobedecem sempre às fronteiras artificiais que os nossos preconceitos às vezes lhes impõem, revelou que foi uma cadeira da sua licenciatura em Educação Física que lhe aguçou o interesse pela cultura/literatura tradicional portuguesa, fonte inesgotável de inspiração. Não ignorando a mitologia clássica, absorvendo também gentes e viagens.
À pergunta colocada por um aluno, respondeu ter começado a escrever porque inventava histórias para os filhos, quando eram mais pequenos, e depois deu-lhes forma impressa. Contava-lhes muitas histórias, porque queria que eles viessem a ser leitores. Por que seria?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

UM MÊS DEPOIS


Se o blogue tem andado demasiado quieto (mea culpa), o mesmo não se passa com a Biblioteca. Longe disso!
Como fazemos questão de repetir em cada início de ano, abrimos as portas e as expectativas às turmas do 7º, em sessões de apresentação e boas vindas. Novos rostos, vozes, histórias, para nós o recomeço, a renovação, novas linhas na nossa fisionomia.
Quase todos ficarão connosco durante seis anos bem importantes nas suas vidas, em todos esperamos deixar as melhores recordações.
Acompanhados pelas professoras Céu Ribeiro e Teresa Silva, em Português, e Adelaide Pereira, em EAC, contaram de onde vêm, como usavam as Bibliotecas das suas antigas Escolas, partilharam gostos e opiniões.
Compenetrados, conheceram o Regulamento. Em silêncio atento, escutaram um história "de adormecer anjos", o conto "Sábios como Camelos" do angolano José Eduardo Agualusa, que escreveu o espantoso Estranhões & Bizarrocos, com ilustrações de Henrique Cayate. (Temos...) Depois, vasculharam estantes, em busca de autores que, à semelhança dos da biblioteca ambulante do grão-vizir, estão arrumados de A a Z. Alguns já voltaram para responder a um inquérito e escolher livros, sobre os quais mais tarde iremos conversar.
Gostámos de vos conhecer!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NOBEL PARA MARIO VARGAS LLOSA

Grande escritor equatoriano, um dos maiores da língua castelhana, Mario Vargas Llosa recebe, finalmente, o Nobel da Literatura que, segundo a crítica, há muito lhe era devido. Depois dos chilenos Gabriela Mistral e Pablo Neruda, do guatemalteco Miguel Ángel Asturias, do colombiano Gabriel García Márquez, do mexicano Octavio Paz, Vargas Llosa oferece à riquíssima literatura latinoamericana o galardão máximo.

Queremos aqui homenageá-lo da melhor maneira que conhecemos para homenagear um escritor: lê-lo e dá-lo a ler.
Transcrevemos, pois, uns parágrafos do início do seu romance Travessuras da Menina Má, de 2006.

Aconteceram coisas extraordinárias naquele Verão de 1950. Cojinoba Lanas atirou-se pela primeira vez a uma rapariga - a ruiva Seminauel - e esta, ante a surpresa de Miraflores inteiro, disse-lhe que sim. Cojinoba esqueceu-se do seu coxear e andava desde então pelas ruas a fazer peito como um Charles Atlas. Tico Tiravante acabou o namoro com Ilse e atirou-se a Laurita, Victor Ojeda atirou-se a Ilse e acabou com Inge, Juan Barreto atirou-se a Inge e acabou com Ilse. Houve uma tal recomposição sentimental no bairro que andávamos aturdidos, os namoros desfaziam-se e refaziam-se e ao sair das festas dos sábados os pares nem sempre eram os mesmos que tinham entrado. "Que relaxação!", escandalizava-se a minha tia Alberta, com quem eu vivia desde a morte dos meus pais.
As ondas dos banhos de Miraflores quebravam duas ao longe, a primeira a duzentos metros da praia, e era até aí que nós, os valentes, íamos abatê-las a peito, e deixávamo-nos arrastar uns cem metros, até onde as vagas morriam só para se reconstituírem em airosas ondulações e quebrarem de novo, numa segunda rebentação que nos fazia deslizar, aos que fazíamos carreirinhas nas ondas, até às pedrinhas da praia.
Naquele Verão extraordinário, nas festas de Miraflores toda a gente deixou de dançar valsas, corridos, blues, boleros e huarachas, porque o mambo arrasou. O mambo, um terramoto que pôs todos os pares infantis, adolescentes e maduros a saltar, pular, fazer figuras, nas festas do bairro. E a mesma coisa acontecia certamente fora de Miraflores, para além do mundo e da vida, em Lince, Brena, Chorrillos, ou nos ainda mais exóticos bairros de La Victoria, no centro de Lima, no Rímac e no Porvenir, onde nós, os miraflorinos, nunca tínhamos posto os pés nem pensávamos ter de pôr.
E assim como das valsinhas e das huarachas, dos sambas e das polcas tínhamos passado ao mambo, passámos também dos patins e das trotinetas à bicicleta, e alguns, Tato Monje e Tony Espejo, por exemplo, à mota, e inclusivamente um ou dois ao automóvel, como o matulão do bairro, Luchín, que roubava às vezes o Chevrolet descapotável ao pai e nos levava a dar uma volta pelos molhes, do Terrazas até à quebrada de Armendáriz, a cem à hora.